quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ficções CoffeeBreak: Notas para um roteiro de cinema





A comédia romântica tem estrutura simples. Pai inconformado com a escolha de sua filha desenvolve o plano perfeito. Conhecedor privilegiado de todos os desejos, vontades, manias e manhas da garota, vai usar estas informações para orientar o pretendente que ele, e não ela, elegeu.

Ainda melhor. Como toda a operação acontecerá em sigilo, o pai será ainda testemunha das diversas reações da moça e, assim, determinará ações táticas especiais – chocolates exatamente quando ela estiver triste ou uma serenata na noite em que brigou com o (ainda) namorado oficial. Não tem como errar, certo?

A graça, claro, virá das descobertas que o pai fará sobre sua menina. Ao contrário do que imagina, ele sabe muito pouco sobre sua intimidade. O conflito entre a visão romântica e ingênua que o personagem principal tem de sua prole e a realidade dos desejos e impulsos femininos podem render situações risíveis, em especial quando abordarmos como o progenitor fantasia (ou não) a vida sexual da jovem.

Com este ponto de partida, o leitor pode imaginar diversas cenas envolvendo o pai, sua filha, o namorado da filha e o pretendente patrocinado pelo pai.

Assim como em boa parte da atual produção cinematográfica, temos duas versões para o final. O primeiro, alinhado com a tradição da comédia norte-americana, é feliz. O desalinho entre como o pai via a filha e a realidade faz com que, no último minuto, ela opte por manter o relacionamento com o namorado que sempre amou. Ao ver a felicidade da garota, o pai confessa que, no fundo, esteve menos presente na vida dela do que deveria. O pretendente que ele queria ver vencedor, claro, se revela um célere odioso.

O final dramático, tipo cinema-cabeça-europeu é mais complexo. O esquema funciona e a garota se casa com o homem que seu pai ajudou. Se torna miseravelmente infeliz. Atormentado, o progenitor busca o rapaz que ele conseguiu afastar de sua prole. Sim, ele havia se tornado um perdedor, imerso em drogas e álcool. Quando o pai começava a se sentir aliviado, afinal, a frustração da garota seguramente seria ainda maior com este energúmeno, uma conversa com o dito cujo mostra que a separação foi crucial para levar o rapaz ao atoleiro atual.

A cena final se passa alguns anos depois. Numa festa de fim de ano, a filha revela que havia percebido toda a armação mas que, até por isso, optou por trocar o namorado pelo pretendente: teve medo de decepcionar o pai que tanto amava e respeitava. O olhar de terror do pai ao descobrir o sacrifício consciente da garota encerra a projeção.

FIM

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