quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A inovação que veio com a chuva

Não preciso relatar, relembrar. Está presente na mente de todos o caos que São Paulo está vivendo desde o início do ano. Neste Janeiro mais chuvoso de todos os tempos, mais de 50 pessoas já morreram por conta de enchentes, inundações e desabamentos. Não estamos considerando aqui possíveis vítimas de doenças geradas pelo contato com esgoto e outros dejetos.

Mesmo quem mora em bairros mais elevados ou sem histórico de enchentes já está no limite pelo impacto no transito. Numa Manaus de concreto, temos agora nossa chuva da tarde. Todas as tardes. Com o triste detalhe de que não se trata de uma chuva qualquer, mas de tempestades que trazem ao nosso asfalto molhado ainda mais água, que não tem como escorrer para rios cheios. Vias tomadas pelas enxurradas, túneis inundados. Numa megalópole com circulação limitada pela quantidade de pessoas e falta de transporte público, este cenário gera o caos.

Profissionais que chegam atrasados ao emprego ou a reuniões. Estressados de depois de uma, duas, três horas de trânsito. Pessoas que simplesmente não chegam ao trabalho. E outros que chegam, trabalham, mas não tem a mínima ideia de como e que horas voltarão para suas residências.

Bom, muitas das grandes inovações surgiram da necessidade de resolver questões práticas. Talvez este período de chuvas possa ter a utilidade de levar nossa comunidade corporativa a repensar a questão do trabalho em casa. O avanço da tecnologia e das redes de internet em banda larga derrubaram várias das barreiras que antes haviam para o trabalho remoto. Hoje é possível acessar arquivos, mensagens ou mesmo entrar na rede de uma empresa com segurança fora do escritório.

Serviços privados ou públicos, como o Skype, de comunicação usando a internet também garantem o acesso de voz e imagem de quem está distante. Eu mesmo, na XPress, já contratei profissionais que entrevistei usando videoconferência.

Mesmo as chefias mais, digamos, desconfiadas, podem monitorar o trabalho de seus subordinados que estão fora do alcance de seus olhos por meio de indicadores digitais de suas ações.

Ou seja, aparentemente o que falta é a mudança de uma chave qualquer na visão de organização do trabalho dos gestores. Algo que envolve todos (na prestação de serviços, meu ramo, por exemplo, não basta a anuência apenas das lideranças, mas também a cumplicidade dos clientes).

Economia para empresas com a redução nos atrasos e acidentes. Ganhos para os profissionais em qualidade de vida, tempo (cada vez mais escasso) e motivação. Benefícios para o negócio com equipes mais engajadas e, muito provavelmente, mais produtivas e criativas.

Temos o outro lado também. Alguns profissionais se ressentem da troca de ideias com seus pares – nada substitui o olho no olho. Outros tem dificuldade em separar vida pessoal e profissional se não houver uma alteração do espaço físico entre um e outro. Há ainda os que gerenciam mal seu tempo e correm o risco de se perder sem chefes próximos e cobranças.

Talvez, como sugeriu Fabio Chiorino, a mudança deva ser gradual. Alguns dias no escritório, outros em casa, numa flexibilidade pautada pela agenda e a característica dos projetos daquele momento. Pessoalmente, acho que está mais do que na hora de começarmos a nos organizarmos para uma nova realidade. Ou paramos com a cidade.

PS – Enquanto acabo este texto, 14h25 da quinta, dia 28, começa a chover, de novo, em São Paulo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Errar é humano. Proibir o erro é burrice


















Steve Jobs, que antecipadamente está sendo eleito CEO da década, falhou. Foi expurgado da Apple e teve que recomeçar com outra empresa até seu retorno triunfal. A Microsoft, do bilionário Bill Gates falhou e falha muito. Lança programas cheios de erros que vai corrigindo aos poucos e alguns, como o Windons ME, que são impossíveis de corrigir. O Google falhou. Quase sem querer saiu na frente na corrida pelas redes sociais mas não teve habilidade para transformar o Orkut na plataforma mundial da web 2.0, abrindo espaço para o crescimento do Facebook.

Mas isto é ótimo! Mostra que estas corporações, estes líderes, estão abertos ao risco, outro lado da moeda da inovação. Se, como os gurus corporativos falam, não há futuro sem inovação, também é verdade que ninguém inova sem apostas. Ser o primeiro exige coragem de desbravar novos caminhos e paciência para lidar com resistências.

Estamos na moda. O Brasil é a nova aposta mundial. Mas um dos nossos telhados de vidro é exatamente a aversão nacional ao risco. Mais que isto. Diversos especialistas afirmam que o brasileiro lida muito mal com a falha. Minha experiência profissional me faz crer que sim – apesar da falta de um ponto de comparação com outras culturas onde o erro seria visto como um caminho para o acerto.

O que percebo - e, por favor, esta é apenas minha visão pessoal, é que, diante do erro, sempre queremos buscar um culpado. Localizado e punido o bode expiatório, seguimos em frente. Se a concorrência inova, alguém grita lá de cima “porque não (quer dizer vocês) não pensamos nisto antes?”. E logo começamos outra busca por culpados – “porque nos (vocês) não fomos pró-ativos?”. A energia que deveria estar dedicada à inovação, ao trabalho produtivo, vitorioso, vai pelo ralo numa espiral negativa de esconder nossos erros e buscar outro para colocar a carapuça da culpa.

Vicente Falconi, em seu seminal livro “O Verdadeiro Poder” afirma que as lideranças deveriam ficar satisfeitas ao se depararem com um problema. Afinal, trata-se de uma oportunidade de avançar. Muito pior é não entender onde estão nossas falhas e seguir sem correção. Também afirma que, ao se deparar com um erro, uma meta não atingida, desculpas são “ridículas”. O que se deve buscar é entender a origem do que não deu certo e tentar descobrir como o processo deve ser corrigido. É assim que se avança.

Há mais de quinze anos, ainda no começo de minha carreira, caiu em minhas mãos um livro cuja proposta era oferecer conselhos de executivos e lideranças de sucesso para quem estava começando (não lembro o título da obra, que deve estar fora de catálogo pois não localizei nada em pesquisas na web). Umas das dicas mais recorrentes era “erre, erre muito enquanto você pode”. Naquela época ainda não tinha maturidade para entender a mensagem, mas hoje percebo que, junto com a visão da importância da falha para a aprendizagem, para a abertura de novos caminhos, o texto embutia o limitador “enquanto você pode”. Acho que o momento pede que aprendamos a errar, e a transformar nossos erros na nossa grande escola para o sucesso.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Não creio no que vejo



Minha formação jornalística deve ser a culpada por minha crença de que tudo tem pelo menos dois lados. E a verdade, ou o que mais se aproxima dela, normalmente está em algum lugar no meio. Quem lê CoffeeBreak sabe que sou um incansável defensor das novas tecnologias, em especial quando aplicadas à comunicação. Mas há sim pontos a questionar, até mesmo em defesa do enorme lado positivo que estes avanços oferecem.

Escrevo este nariz de cera depois que li, no encarte do The New York Times na Folha de S.Paulo, artigo de Tom Brady sobre como a mídia sensacionalista está usando novas tecnologias para misturar ficção e realidade, distorcendo os fatos e inflando a audiência.

Ele usa como exemplo um vídeo feito pela empresa NextMedia, de Hong Kong, reproduzindo como teria sido a briga entre o golfista Tiger Woods e sua esposa Elin Nordegren. Com mais de 2 milhões de reproduções, o vídeo, em formato de reportagem, mistura cenas reais com animação. O ponto de Brady é que o filme conta detalhes que ninguém, além dos dois envolvidos. Ou seja, trata-se de uma obra de ficção baseada em fatos reais, mas que, na internet e nos meios de comunicação sensacionalistas, rapidamente se transforma no fato aceito por todos.

Inicialmente, não temos nada novo aqui. Há muito tempo uma parte da imprensa usa a estratégia de distorcer fatos aumentar sua audiência. Há quem diga que foi assim que Murdoch construiu seu império. No Brasil, o fruto foram ótimos ficcionistas como Nelson Rodrigues, que começou em algo que então chamavam de jornalismo.

Como no caso das mídias sociais, que “turbinam” o velho boca a boca e o poder das relações sociais (veja post sobre o tema), o que teríamos inicialmente é a tecnologia ampliando e agilizando uma velha prática analógica.

A preocupação deste escriba, porém, é um pouco mais, digamos, apocalíptica. Da reportagem fake sobre o barraco do Tiger Woods a Avatar, passando pelo fotoshop, o que temos visto é que a fronteira entre real e imaginário esta cada vez mais tênue no que se trata das imagens. Como sou de um tempo em que dizíamos que ela valia mais do que mil palavras, fico temeroso de que cheguemos ao ponto de não reconhecermos mais o que é um registro real e o que é uma criação em computador. Se você pensar no tratamento que a maioria das fotos recebem para uso publicitário, verá que não estamos tão distante disto.

Bobagem. Deve ser “encanação” deste tiozão de 40. Com certeza todos terão sempre um uso absolutamente ético deste tipo de imagem, deixando claro quando são registros reais, quando foram tratados/alterados e quando se trata de pura ficção. As empresas responsáveis pelos equipamentos de captação, transformação e criação de imagem se unirão para criar um padrão de “assinatura digital” impossível de ser alterada e que irá sempre provar quando se trata de um “original”.

Ou, muito em breve, teremos todos que explicar a nossos filhos, quando eles assistirem filmes em que o vilão tenta chantagear o personagem principal usando fotos dele com sua amante, que houve um tempo em que era possível crer no que estas imagens mostravam.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Experiências CoffeeBreak: vivendo o lado selvagem do transporte púbico em SP




Aquele dia deu tudo errado. Eram 18h15 quanto tomei a decisão. Diante de mais uma tempestade que se armava no céu de São Paulo e do temerário trânsito de dezembro, decidi voltar para casa utilizando o transporte público. Estava sem carro e até tinha pensado em usar um táxi para o retorno da Vila Olímpia à Mooca no fim do expediente, mas a idéia de ficar preso no trânsito me fez mudar os planos.

Me animei ao falar com o amigo Rodrigo Dionísio que confirmou gastar apenas 45 minutos entre a estação Vila Olímpia e sua casa em Santa Cecília. Mais ainda: ele também ia para o trem e assim eu teria companhia ao menos até Pinheiros, onde o Rodrigo desceria aquela tarde. Fui.

Tudo começou bem e assim foi até a mudança de trens, em Presidente Autino. Quando as portas do meu vagão se abriram, muitos saíram correndo. Decidi manter a fleuma e fui no meu ritmo. Ledo engano: perdi o transporte sentido Lapa que estava dando sopa e fiquei longos 10 minutos esperando a próxima composição. Pressenti que levaria mais tempo do que gostaria para chegar em casa.

Quando finalmente o segundo trem me deixou na estação Palmeiras-Barra Funda do metro, já tinha gasto 50 minutos. Pensei “ok, agora são apenas nove estações e chego na Bresser-Mooca, não vou perder muito tempo em relação a uma hora que gasto de carro”. Realmente, depois de 25 minutos eu estava desembarcando na Mooca. E foi então que um percurso largo virou um pesadelo.

Afinal, eu contava com o velho e bom táxi para terminar o trajeto e me deixar em casa. Mas aquela noite, talvez reflexo do trânsito, da chuva, das compras de Natal, não havia táxi no ponto. Pior: três pessoas sentadas esperavam por um carro. Com pressa, decidi seguir a pé, mesmo com o pouco recomendável trecho da rua Bresser entre o metro e a Radial. Foram 45 longos minutos de caminhada noturna, com roupa pouco adequada. Resultado final: duas horas para chegar ao destino. Nada bom.

Pensei: “então é por isto que tantos são contra o transporte público”. Realmente, caminhando com o incomodo sapato social pelas calçadas escuras e, digamos, underground, da rua Bresser, senti saudade do conforto e segurança do meu Palio Weekend. Será então que minha pregação pelo uso mais equilibrado de automóveis particulares, revezando com caronas, caminhadas, bicicleta e transporte público é uma bobagem? Inocência? Romantismo?

O primeiro impulso foi esquecer a desventura. O segundo de pontuar todas as falhas do sistema público (demora nos trens, distância entre as estações do metro, falta de área adequada para bicicletas em todas as estações etc.). Mas foi então que me toquei que foi só um dia em que deu tudo errado. O que é muito mais fácil acontecer num final de tarde de dezembro com tempestade de quase verão (ainda era primavera). E que isso já aconteceu comigo de carro, me custando mais de duas horas para chegar. E que se trens podem quebrar, carros idem.

Em resumo, continuo o mesmo chato de antes, acreditando que a opção menos-carro-e-mais-bicicleta-caminhada-carona-transporte público pode tornar nossos deslocamentos mais inteligentes. E, contra um dia ruim, o melhor mesmo é uma noite de sono.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A sustentável leveza do conteúdo cultural

E eis que começa 2010. Apenas uma data ou começo de um novo ciclo, o fato é que, seja lá por quais motivos, muitos de nós estamos perguntando o que nos reserva o futuro próximo. Embalado por este espírito, leio que a Apple se prepara para oferecer um novo serviço (inicialmente nos EUA) que permitirá o armazenamento virtual de arquivos musicais. Chega de baixar músicas no computador, sincronizar iPhone e iPod, gravar CDs... melhor ainda: não vamos mais ter que nos preocupar com a capacidade de armazenamento de dados dos nossos aparelhos, uma vez que o conteúdo estará na rede.

Alguns serviços assim já existem nos EUA – o usuário paga uma taxa mensal e tem acesso a um portfólio gigantesco de músicas que pode ouvir e gravar em outras mídias na hora que desejar. A diferença aqui é a integração com o iTunes e os equipamentos Apple on line, permitindo ouvir suas listas a qualquer momento – contanto que tenha banda larga disponível no local.

Parece mesmo irreversível. A tendência, pelo menos no que se trata de fruição de conteúdos culturais, é o minimalismo. Quando era jovem, guardava meus LPs como tesouros de guerra (ainda tenho muitos!!). Logo vieram os CDs, menores, mais práticos e com maior capacidade de armazenamento. Hoje olho com nostalgia para a enorme pilha de caixinhas plásticas no armário da sala. Virou uma tralha inútil depois que transferi as músicas favoritas (e muitas não tão votadas assim) para meu iBook e fiz cópia em um HD externo. Isso sem falar nos diversos trabalhos que só tenho em forma digital.

O mesmo aconteceu com minhas fotos (cada vez imprimo menos). Serviços como o Netfix, hoje ainda só nos EUA, ameaçam também tornar minha coleção de DVDs peça de museu. Para que ter a mídia física se poderei assistir ao filme que eleger no momento em que quiser?

Prefiro não pensar no dia em que o mesmo se dará com meus livros e revistas. Sou daqueles que tem uma ligação afetiva com estes objetos de papel. Suas cores, formatos, cheiro... mas não duvido que em breve estarei também usando algum leitor de e-books (ainda resisto bravamente mas sei que a guerra é perdida: enquanto escrevo este post, vejo um tweet informando que a venda de livros eletrônicos já superou a de físicos na Amazon).

Não é mais futurologia falar que todos os objetos antes utilizados para conter/armazenar conteúdos culturais deixarão de existir, ou serão nicho (como os LPs hoje). Ecologicamente falando, é muito melhor, muito mais próximo do tal consumo consciente, com muito menos lixo e preservando árvores e matérias primas não renováveis. Socialmente falando também. A redução nos custos de produção e distribuição destes objetos torna os conteúdos (que são o que importa) mais baratos e acessíveis – a partir do momento em que o acesso à banda larga e aos computadores se expandir, o que parece ser um caminho sem volta.

Finalmente, do ponto de vista cultural, esta revolução abre um horizonte nunca antes imaginado de possibilidades, seja para a fruição ou para a produção de música, literatura, cinema, artes visuais etc. Quebradas as barreiras de produção e distribuição, todos somos livres para criar e dividir cultura (se é ou não arte, bem, deixemos a questão para os críticos). Claro que estamos em meio da crise da mudança de paradigma, com as empresas organizadas para comercializar os antigos objetos que continham cultura estão tendo que se reinventar (ou quebrar) e a pirataria ameaçando desestimular financeiramente a produção. Mas acho que tudo é uma questão de encontrar um novo ponto de equilíbrio.

E tudo isto sem ter que colocar mais prateleiras na sala para pendurar livros, discos e CDs. Sem ter que carregar essa tralha para todo canto. Que esta visão nos inspire a um futuro minimalista em termos de consumo em geral, onde menos (quinquilharias) seja mais (conteúdo, qualidade, possibilidades). E que, nestas férias de verão, possamos todos viajar com uma mochila mais leve.