quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Não creio no que vejo
Minha formação jornalística deve ser a culpada por minha crença de que tudo tem pelo menos dois lados. E a verdade, ou o que mais se aproxima dela, normalmente está em algum lugar no meio. Quem lê CoffeeBreak sabe que sou um incansável defensor das novas tecnologias, em especial quando aplicadas à comunicação. Mas há sim pontos a questionar, até mesmo em defesa do enorme lado positivo que estes avanços oferecem.
Escrevo este nariz de cera depois que li, no encarte do The New York Times na Folha de S.Paulo, artigo de Tom Brady sobre como a mídia sensacionalista está usando novas tecnologias para misturar ficção e realidade, distorcendo os fatos e inflando a audiência.
Ele usa como exemplo um vídeo feito pela empresa NextMedia, de Hong Kong, reproduzindo como teria sido a briga entre o golfista Tiger Woods e sua esposa Elin Nordegren. Com mais de 2 milhões de reproduções, o vídeo, em formato de reportagem, mistura cenas reais com animação. O ponto de Brady é que o filme conta detalhes que ninguém, além dos dois envolvidos. Ou seja, trata-se de uma obra de ficção baseada em fatos reais, mas que, na internet e nos meios de comunicação sensacionalistas, rapidamente se transforma no fato aceito por todos.
Inicialmente, não temos nada novo aqui. Há muito tempo uma parte da imprensa usa a estratégia de distorcer fatos aumentar sua audiência. Há quem diga que foi assim que Murdoch construiu seu império. No Brasil, o fruto foram ótimos ficcionistas como Nelson Rodrigues, que começou em algo que então chamavam de jornalismo.
Como no caso das mídias sociais, que “turbinam” o velho boca a boca e o poder das relações sociais (veja post sobre o tema), o que teríamos inicialmente é a tecnologia ampliando e agilizando uma velha prática analógica.
A preocupação deste escriba, porém, é um pouco mais, digamos, apocalíptica. Da reportagem fake sobre o barraco do Tiger Woods a Avatar, passando pelo fotoshop, o que temos visto é que a fronteira entre real e imaginário esta cada vez mais tênue no que se trata das imagens. Como sou de um tempo em que dizíamos que ela valia mais do que mil palavras, fico temeroso de que cheguemos ao ponto de não reconhecermos mais o que é um registro real e o que é uma criação em computador. Se você pensar no tratamento que a maioria das fotos recebem para uso publicitário, verá que não estamos tão distante disto.
Bobagem. Deve ser “encanação” deste tiozão de 40. Com certeza todos terão sempre um uso absolutamente ético deste tipo de imagem, deixando claro quando são registros reais, quando foram tratados/alterados e quando se trata de pura ficção. As empresas responsáveis pelos equipamentos de captação, transformação e criação de imagem se unirão para criar um padrão de “assinatura digital” impossível de ser alterada e que irá sempre provar quando se trata de um “original”.
Ou, muito em breve, teremos todos que explicar a nossos filhos, quando eles assistirem filmes em que o vilão tenta chantagear o personagem principal usando fotos dele com sua amante, que houve um tempo em que era possível crer no que estas imagens mostravam.
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"a mídia sensacionalista está usando novas tecnologias para misturar ficção e realidade, distorcendo os fatos e inflando a audiência." Pensei que estivesse falando do BBB com as 'celebridades' da blogosfera e twittosfera
ResponderExcluirsobre "fico temeroso de que cheguemos ao ponto de não reconhecermos mais o que é um registro real e o que é uma criação em computador" vi no último 'Reclame' os efeitos especiais usados na publicidade hoje. O pessoal de agência falando que quando começou a ser usado era legal mostrar o efeito e hoje o contrário, o legal é que ele passe sem ser notado e que pareça real aos olhos do público. Dois exemplos: o bebe da Fila que sai correndo de casa, é uma reprodução em computador baseada na captura de algumas imagens do bebe real e o comercial da dafra com wagner moura, na verdade filmaram com 60 atores e no filme parece uns 900. Claro que no uso da propaganda não faz mal algum.
MATEUS