domingo, 27 de setembro de 2009

O jogo na imprensa virou para o digital

Tive o prazer de viajar com um grupo de ótimos jornalistas, entre eles Tales Farias, profissional de longa e vitoriosa carreira, dos que ainda se preocupam em investigar e apurar. Pois Tales, depois de alguns anos no Rio, onde estava tentando bravamente salvar o Jornal do Brasil, vai voltar a Brasília, para junto de sua família.

Ele vai engrossar o time de jornalistas consagrados, integrado por nomes como Guilherme Barros e Daniel Castro, que está saindo dos grandes jornais impressos e migrando para a internet, mais especificamente para o IG. Tales vai comandar a sucursal do portal na capital federal, prometendo uma cobertura diferenciada do governo federal.

Em resumo, o futuro chegou. Enquanto ficamos discutindo qual o modelo de negócio para jornais e revistas com o conteúdo on-line, a Oi decidiu apostar pesado para gerar material próprio de grande qualidade e com a assinatura de profissionais reconhecidos dos leitores. A balança começa a pender para o lado digital.

A pergunta agora, é quanto tempo a indústria de comunicação corporativa vai levar para se adaptar a este novo cenário. Hoje assessores de imprensa e clientes estão viciados no papel. Querem pegar o resultado de uma entrevista. Comprar várias cópias da revista e mandar para os chefes, clientes e, porque não, familiares. Como parte do sistema de métrica para o trabalho destes profissionais ainda é baseada no valor da equivalência publicitária (quanto uma reportagem custaria para o cliente se fosse um anúncio), ainda vai levar um tempo para as estratégias de comunicação corporativa mudarem.

O próprio Guilherme, quando ainda estava na Folha, revelou este receio num almoço que acompanhei. Como boa parte do material de suas notas exclusivas vem de assessores de imprensa, estava preocupado em perder relevância na briga pela informação mais quente. Há alguns meses, numa palestra na XPress, a editora da Exame, Cristiane Correa, revelou que nunca havia recebido uma sugestão de pauta para seu blog no portal da Exame – que, segundo ela, tinha um índice de leitura igual ou superior ao da revista impressa.

Definitivamente, está na hora de mudar. Ou os colegas da comunicação corporativa começam a colocar os profissionais e canais de conteúdo da internet em suas estratégias ou podem se surpreender com uma postura nada agradável quando precisarem deles. E este dia vai chegar muito antes do que se imagina. Na verdade, eu acredito que ele inclusive já chegou. A equipe do IG que o diga.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Desafio CoffeeBreak: um dia sem carro por semana e sua criatividade de volta 2

Num post há duas semanas soltei a proposta (afinal, algum maluco tem que começar a propor algo). Como sonhar é de graça, se todos aceitassem deixar o carro em casa uma vez por semana teríamos 20% a menos de veículos nas ruas. E não apenas no horário do rodízio, mas o dia inteiro. Quanto tempo nós ganharíamos para coisas muito mais divertidas do que ficar parado num engarrafamento?

Diminuindo não apenas a quantidade de automóveis circulando, mas o tempo que eles ficam ligados, teríamos uma redução ainda maior na poluição. Isto sim é atitude.

Mas estes argumentos meio hippies não comovem mais ninguém, não é verdade? Afinal, ficamos todos esperando que o outro comece a fazer o que não fazemos. Afinal, eu e meus amigos não representamos nada numa cidade com mais de seis milhões de carros, não é mesmo?

Como de hippie não tenho nada, meus argumentos são mais egoístas (apesar de achar que a melhora no trânsito já seja boa o bastante e que minha rinite alérgica agradeceria menos CO2 no ar).

Todos falam em inovação.Todos querem criatividade. Mas ela não vem do nada. É gerada com muito suor e uma bagagem cultural em constante ampliação, na qual uma abertura para diversas mensagens, imagens e pontos de vista tem papel fundamental. Experiências distintas, sair do seu ambiente e conhecer outros sabores, outros odores, outros referenciais é uma estratégia reconhecidamente poderosa para “turbinar” a criatividade.

Para quem, como eu, está viciado no (aparente) conforto do carro na porta, ficar sem ele periodicamente pode ser uma ótima ferramenta para aumentar a criatividade.

Um dos grandes argumentos dos defensores do transporte individual é a liberdade. Você pode sair de onde quiser e ir para onde desejar a qualquer hora. Claro, contanto que não seja seu rodízio ou que não esteja chovendo ou que não seja sexta-feira no final da tarde ou que, como minha mulher, você não leve 30 minutos apenas para sair do estacionamento de seu escritório (sim, é verdade).

Já ficar sem carro proporciona outra liberdade: a de escolher a melhor maneira de se locomover (mesmo que seja um carro, com um táxi ou uma carona). Quando você está de carro, nem pensa: vai e vem com seu possante. No máximo muda o caminho e tem a oportunidade de fica engarrafado num cenário novo. Sem ele, cada viagem abre um leque de possibilidades. Você tem que pensar qual a melhor opção, mesmo que seja não ir a lugar algum. Posso parecer inocente, e talvez esteja sendo, mas acho que estas experiências agregam, alargam os horizontes.

Estou longe de ser radical. Venho de uma família de classe média baixa que faliu nos 80. Na época de faculdade tinha três empregos e meu primeiro filho. Sem carro e economizando cada centavo, após o almoço andava meia hora até a rádio onde trabalhava de tarde. Meu sonho era o carro que só comprei anos depois. Pior, adoro dirigir, melhor ainda na estrada. Hoje, se optar pelo transporte público, levaria cerca de duas horas para chegar ao escritório toda manhã. Sem chance. Mas acho que podemos aprender a dependermos menos deste expediente, a buscar o equilíbrio e utilizar outras formas de locomoção só para variar. Segue o desafio. Que tal um dia sem carro por semana? Eu estou me reeducando.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Twitter nas empresas: quem leva essa?

Outro dia recebi um tweet da Anaik, colega que escreve o ótimo Melhores Palavras, com um link para um artigo sobre o poder de síntese necessário para escrever no Twitter, por conta dos 140 caracteres. Lendo aquilo, me veio, claro, a lembrança das aulas de redação jornalística, das técnicas para fazer um bom título, do lead, ou seja, que um bom jornalista deve resumir o fato a ser comunicado no mínimo de texto, com estilo, clareza etc.

Ou seja: escrever no Twitter é como fazer um bom título, se possível auto-explicativo. Será então que a nova estrela da internet é território privilegiado para jornalistas? Arriscaria que sim. Afinal, além da necessidade de ser conciso, há o imediatismo, a mensagem chega aos seus seguidores no momento em que você escreve.

Não por acaso diversas empresas jornalísticas utilizam (algumas muito bem) o Twitter. Eu mesmo sigo várias, da CNN à Wired, passando por colunistas como Mônica Bergamo e Lauro Jardim (este último, na minha humilde opinião, ainda muito distante da linguagem do microblog, com seus tweets enigmáticos, que nunca me chamam a buscar seu link).

Resumindo: o Twitter é uma ferramenta de comunicação instantânea e que necessita de poder de concisão ideal para disseminar e discutir notícias, novidades. Perfeito. Mas o grande espanto é que, pensando corporativamente, ela está indo para outras mãos. Explico.

Pense numa empresa que quer estar no Twitter. Quem ela vai procurar? Que tipo de profissional ou agência? Normalmente o que temos visto no Brasil é que esta demanda está caminhando para empresas de publicidade digital, que contratam jovens “ligados nas novidades”. Dependendo do projeto, pode até funcionar. Mas acredito que o mais correto seria que as agências de comunicação corporativa, nossas antigas assessorias de imprensa, assumam este papel.

São profissionais de comunicação que dominam as técnicas jornalísticas – ou seja, vão conseguir se expressar bem em 140 caracteres – conhecem em profundidade as políticas, mensagens e informações da empresa que passará a dialogar na rede social e estão treinados a interagir com públicos exigentes e questionadores como jornalistas e formadores de opinião. Não são tão jovens? Bom, ótimo. Os usuários do Twitter também não são.

Desculpem, mas para mim parece óbvio. Tanto que em outros mercados, como o dos EUA, as agências de comunicação corporativa já estão trabalhando sério neste caminho. E aqui? Enquanto assessoria de imprensa vira commodity, a maioria das empresas continua dando passos tímidos neste caminho sem volta. Por quê?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Inovar mais e chorar menos




Há pessoas (e empresas também) que preferem inovar a lamentar as mudanças do mercado. Vem da Men’s Health norte-americana uma boa ideia para aproveitar o que as novas mídias oferecem como oportunidade para gerar novas fontes de renda, fidelizar leitores e divulgar sua marca.

Trata-se de um aplicativo para o iPhone (o que não é novo) mas, aproveitando toda a potencialidade do aparelho da Apple para oferecer aos usuários conteúdo diferenciado e, outro ponto fundamental para o sucesso, totalmente alinhado com a promessa da marca.

Chamado ‘Jimmy the Bartender’, nome de uma das mais populares colunas da publicação nos EUA, o aplicativo usa o GPS do iPhone para indicar os melhores bares da região onde o dono do aparelho estiver. E mais. Indica quais comidas pedir e de quais fugir, alem dos drinks que vale a pena degustar.

Mas como a revista não é um guia gastronômico, ‘Jimmy the Bartender’ também oferece dicas para conquistar a garota que está sendo paquerada (basta identificar qual o seu tipo para ter as informações na hora em que elas são necessárias). Outra área interessante é o Q&A, voltada a divulgar a filosofia de bar (sim, os boêmios gringos também tem sua maneira peculiar de ver a vida) em respostas do Jimmy em pessoa a dúvidas comuns (e outras nem tanto). Finalmente, para garantir o sucesso de qualquer homem no happy hour, o aplicativo ainda oferece as regras, truques e dicas para os principais jogos de botequim.

Alem do arquivo da própria publicação, o programa usa dados fornecidos pelos próprios usuários (uma das grandes vantagens das redes sociais) e, apesar de nova (foi lançada há pouco mais de duas semanas) já é um sucesso de crítica, acumulando ótimas avaliações de sites especializados. A expectativa é que parte dos 30 milhões de usuários do iPhone e iPod Touch nos EUA comprem o programa por míseros U$ 2,99.

Valorizar sua própria marca e sua conexão com um público cativo, usando a tecnologia e a criatividade para criar novas fontes de renda pode ser um dos caminhos para ajudar a imprensa a sair da crise do conteúdo grátis na rede. E também para melhorar a comunicação de diversas empresas e segmentos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Desafio CoffeeBreak: um dia sem carro por semana e sua criatividade de volta

Tudo começou por necessidade. Ou quase. Para economizar nossas finanças, o transito de SP e o planeta, minha mulher e eu decidimos ter apenas um carro. Afinal, trabalhamos muito próximos e temos o mesmo horário. Claro que há dias e dias – já tive que esperar em dias que ela teve que ficar até mais tarde e vice-versa. Mas em geral a experiência tem sido positiva e ainda ganhamos mais tempo juntos – afinal levamos cerca de duas horas por dia entre ir e vir do escritório.

Mas o post não é sobre isto, e sim sobre ficar sem o carro. Meus gêmeos nasceram, minha mulher ainda está de licença e, pelo menos uma vez por semana, precisa de nosso carro para resolver uma série de questões. E foi assim que comecei a me organizar para tirar meu dia da semana sem carro – e não apenas sobrevivi a isto, mas acabei gostando.

É incrível como nos acostumamos com saídas que parecem simples e não vemos quantas possibilidades existem. A principal delas é a velha e boa carona. É com ela que consigo chegar ir da Mooca ao escritório na Vila (argh) Olímpia. Afinal, pelo menos três colegas moram próximo de mim e nos revezamos dando carona uns aos outros.

Mas a vida é mais complexa do que chegar ao escritório. Academia, reuniões, almoço com amigos... uma atitude ainda mais antiga que a carona é caminhar. Já que temos que, como uma manada, trabalharmos todos na mesma região, afinal alguém disse que é mais chique (mesmo sendo uma região sem metro, com ruas estreitas e sem estacionamento) alguma vantagem temos que ter com isto. Hoje fui da academia, andando, a uma reunião, da qual voltei da mesma forma. Outros clientes da agencia, localizados na região da Berrini, já visitei usando o trem. Quando tudo falha, há o táxi – cujo preço é mais do que compensado pelo carro a menos que temos em casa (segundo os cálculos de um especialista em finanças, o custo para manter um carro popular, entre combustível, seguro, manutenção, impostos e depreciação do veículo é de mais de R$ 1.200 ao mês).

O que esta experiência me ensinou, porém, é que, mais do que possível, ficar sem carro de vez em quando é uma delícia. Andar permite ver uma cidade diferente. Inúmeros detalhes, invisíveis ao volante, aparecem, sejam pequenas praças, uma casa com um pórtico digno de nota, um pequeno e aparentemente delicioso restaurante, um bar que parou nos anos 50. E as pessoas. Olhar as pessoas, interagir, rir com o rapaz que, sem perceber, desfila pela Vila Olímpia com um colante escrito “este é grátis” preso às costas. Chego ao escritório mais leve, relaxado e com meu estoque de referências, tão importantes para ser criativo, renovado. Porquê não, toda semana, tirar pelo menos um dia para deixar o carro em casa?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Case Wired Vanish: o sucesso de tratar seu público com inteligência



Durou exatos 23 dias. Quando começo a escrever este post, às 9 da noite do dia 8 de setembro, acabo de receber o tweet da revista Wired informando que encontraram seu jornalista perdido. Evan Ratliff estaca andando de bicicleta na cidade de New Orlens quando foi fotografado por Jeff, um dos sócios do Naked Pizza, uma pizzaria natureba da cidade. O empreendedor norte-americano receberá um prêmio de 5 mil dólares e, mais importante, a fama no mundo virtual.

Misto de reportagem, investigação e grande ação de RP, o projeto Vanish – Finding Evan Ratliff desafiou os nerds e geeks norte-americanos a, em menos de 30 dias, encontrarem o jornalista. As regras: ele não iria sair do país nem se esconder em uma cabana no alto das montanhas. Continuaria a fazer atividades normais de sua vida, mas longe de amigos e família, sem manter contato direto com ninguém. Seu único ponto de contato seriam as redes sociais da internet, como Facebook e Twitter. Algumas pistas também foram colocadas no blog que a Wired criou para acompanhar o caso.

A ideia era testar a hipótese de que, por conta da internet, todos hoje somos rastreáveis. O fato é que um grupo, nomeado @Vanishteam no Twitter, rastreou Evan e conseguiu descobrir em que cidade ele estava. Jeff, leitor da revista, foi avisado pois o jornalista poderia pedir a pizza sem glúten que eles entregam.

Para mim, mais interessante do que as técnicas de espionagem digital que o pessoal do @Vanishteam usou é o sucesso do desafio para divulgar a revista. Milhares de leitores nos EUA se envolveram. As pistas, o sumiço e todos os passos do jornalista viraram comentário nas redes sociais. Eu mesmo fiquei sabendo da história por um colega na XPress, o Raphael Gonzales (ou @raphaelgonzales), que leu na internet.

E porque funcionou tão bem? Na minha opinião, há alguns ingredientes importantes: além do próprio apelo de um desafio inteligente, que sempre provoca o ser humano, a Wired colocou o uso das redes sociais como centro da ação, integrando diversas delas. Mais que isto, a própria internet era a grande fonte de pistas para se responder o desafio. Mas acho que o principal ponto é que a ação não foi gratuita, ao contrário, tinha um contexto editorial claro e totalmente alinhado ao DNA da marca. Assim, a inteligência do público não foi subestimada. Um belo case, que pode nos servir de inspiração para tentar inovar na comunicação usando as tais novas mídias.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

People of Walmart: molecagem bem sucedida ou sacada de comunicação?



Uma nova forma de “viral” está ganhando força nos EUA. Misto de blog com rede social, eles partem de um mote divertido e comum a uma grande parte da população para se tornar sensação na internet. De quebra, critica ou divulga comportamentos, marcas e tendências. Pode servir de inspiração para ações de comunicação neste país que adora as comunidades na web.

Foi no Mashable (http://mashable.com/2009/09/01/people-of-walmart/) que li sobre o People of Walmart, que faz tanto sucesso que foi objeto de matéria na Time . O site foi criado de brincadeira por dois irmãos de 20 e poucos anos, Andrew e Adam (eles não divulgaram o sobrenome), que freqüentam um Walmart na Carolina do Sul. Impressionados com alguns tipos realmente ah, digamos, diferentes que passeavam pelas gôndolas, decidiram fotografar alguns e colocar as imagens na rede. Penteados bizarros, calças com boca de sino com pompons vermelhos, pessoas fantasiada de Tio Sam ou do tigre da Kellogg’s. Os corredores da rede de supermercados parecem atrair mesmo gente de todo tipo.

A ideia primeiro ganhou a rede, depois ganhou a mídia. Antes mesmo de ser tema de reportagens na dita imprensa tradicional, o People of Walmart foi divulgado de blog em blog e se tornou um sucesso de audiência. Centenas de pessoas passaram a postar fotos e o tráfego do site ficou tão grande que ele chegou a ficar fora do ar. O conteúdo passou a ser gerado pelos próprios usuários. Os criadores passaram ao papel de ‘curadores’ do material proposto pelos seus repórteres/leitores. E o Walmart ganhou mais espaço, inclusive neste humilde blog.

A pergunta, que não poderemos responder, é se não foi o próprio Walmart quem deu uma mãozinha na divulgação deste site na imprensa, no mais puro espírito falem bem, falem mal, mas falem de mim. Profissionalmente, espero que sim. Cansado de ver executivos pedindo ideias fora da caixa e depois executando apenas propostas 300% seguras e convencionais, passaria a acreditar um pouco mais na capacidade de ousar (ao menos um pouquinho) dos gestores da comunicação corporativa.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um post de amor a São Paulo


Foto de Rodrigo Dionísio, outro amante da São Paulo real

Fiquei impressionado. Hoje de manhã tive uma reunião profissional num moderno edifício comercial na Leopoldo Couto de Magalhães Junior, rua tão pomposa quanto o nome, em pleno Itaim Bibi. A edificação ainda cheira a nova. Mas o que realmente me chamou a atenção foi que o prédio simplesmente não possui nenhum acesso para pedestres. Isso mesmo.

Construído num nível cerca de um metro mais alto do que a rua, o edifício conta com três rampas de acesso para veículos. E só. Qualquer incauto passante que esteja na calçada e tenha a vontade ou, como no meu caso, a necessidade de entrar se vê obrigado a dividir espaço com os carros que sobem e descem. Senti-me um extraterrestre. Será que sou o único que ainda caminha pela cidade?

O mais triste é que o tal prédio é emblemático de como esta cidade está se estruturando. Cada vez mais os locais elegantes, refinados, destinados às pessoas de fino trato, passam a segregar os pedestres. Ou você chega de carro ou não chega. Um analista mal humorado afirmaria que se trata de algo pensado. Em sua necessidade de preservar a segurança dos bem nascidos e deixar os menos favorecidos longe de sua visão – afinal, é tão deprimente lembrar que ainda existem pobres – ampliam-se as barreiras físicas e a posse de um veículo passa a ser mais um diferencial entre quem pode e quem não pode entrar no clube (era melhor quando esta seleção era feita por uma calça de marca, uma conversa sobre esqui ou uma sacola da mega-loja chique entre a Marginal Pinheiros e a favela da Vila Olímpia).

Mas eu não acredito nisto. Acho que é burrice mesmo. Por qualquer ângulo que se veja, seja o da preservação do meio ambiente, seja do trânsito, seja da alegria de ver as ruas cheias de gente interessante e se alegrar ao desejar a alguém bom dia (lembra disso??), uma cidade construída para ocupantes solitários de carros blindados é uma deprimente estupidez. O crítico mal humorado do parágrafo de cima diria que nossa elite é imbecil (sem lembrar que todo pseudo-intelectual, neste país, também é parte desta mesma elite). Prefiro achar que está perdida, aprisionada em seu medo.

Porque não mudamos de atitude? Quando vamos começar a dar carona? A ir a pé se o endereço é próximo? A pegar o metro, o trem, o ônibus? Quando vamos andar de bicicleta pelas ruas da cidade – não só como lazer, mas como meio de transporte? Quando vamos perder o receio de olhar o outro por receio de ver refletido nele nossa falta de atitude?