sexta-feira, 19 de março de 2010

Contando causo 2: A incrível história do fracasso bem sucedido nas redes sociais



Muitas vezes chegar tarde é uma vantagem competitiva. Alguns estrategistas afirmam que, dependendo do seu posicionamento, deixar que outros saiam na frente para aprender com seus erros e entrando em campo quando o jogo está claramente definido pode ser o melhor caminho.

Toda esta lenga-lenga para explicar que apenas há pouco comprei meu exemplar de ‘A Calda Longa’, de Chris Anderson, autor também do polêmico ‘Free’ (ou ‘Grátis’, no idioma de Machado de Assis). Aproveitei a viagem de um amigo a NY para encomendar um exemplar em inglês. A vantagem, inesperada, é que ele trouxe uma nova versão do livro, ‘The Longer Long Tail’, algo como a Calda Longa Alongada, com um capítulo extra sobre o que seria a calda longa do marketing.

E é neste capítulo, ausente da versão em português, que encontrei o fantástico causo de hoje. Anderson, editor chefe da bíblia nerd norte-americana Wired, descreve a campanha publicitária que a agência Campbell-Ewald, de Detroit, desenvolveram em 2006 para a SUV Tahoe, da Chevy (marca da GM). Tentando revolucionar a comunicação do carro beberrão de combustível em plena era do aquecimento global, os criativos decidiram usar as mídias sociais para criar uma comunicação interativa.

Num projeto inovador para a época, forneceram, num web-site, uma série de imagens brutas do carro, músicas e ferramentas básicas de edição, permitindo que cada um criasse seu próprio comercial. Num merchandising com a edição original do programa de TV O Aprendiz, lançaram o desafio de premiar e veicular a peça vencedora.

Em quatro semanas, mais de 3.000 pessoas postaram seu vídeo. E foi então que a crise começou. Entre muitos filmes positivos sobre o Tahoe, surgiram diversas versões, digamos, ãh, críticas ao veículo, com referências ao aquecimento global “gosta do verão, então você deveria dirigir um destes” ao excessivo consumo de combustíveis e, óbvio, à guerra no Iraque – “que carro Jesus dirigiria?”.

Em pouco tempo a situação saiu do controle dos marketeiros. Os vídeos mais subversivos invadiram o YouTube. A proposta inicial da agência, de criar um viral, foi plenamente atingida, mas ao contrário. O que circulou na internet foram filmes criticando o carro e a marca.

O mais surpreendente, porém, foi o resultado comercial. Ao contrário do que todos nos suporíamos, as vendas do Tahoe não caíram. Elas SUBIRAM. Segundo Anderson, o modelo se tornou a SUV mais vendida do mercado norte-americano e, no período posterior à campanha, chegou a atingir cerca de 30% de market share no seu segmento. Mais de 600 mil pessoas visitaram o site do projeto e dois terços destes foram, em seguida, ao site da marca, verificar mais detalhes sobre o carro.

No mundo da publicidade, os críticos de primeira hora foram obrigados a rever seus conceitos. Um editorial da Advertising Age sugeriu que os que viram na campanha do Tahoe a prova do perigo de permitir aos consumidores gerarem o conteúdo comercial que admitissem sua incompetência e abandonassem o mercado.

Talvez o grande segredo deste causo seja a coragem de agência e cliente em manterem no site os vídeos críticos à marca. Desde o início, eles tinham claro que tentar eliminar o conteúdo dos participantes, por mais ofensivo que ele fosse, seria muito mais danoso à marca. Anderson avalia que esta postura de receber bem as queixas e piadas poderia inclusive tornar a marca mais simpática, cool. Alem disso, as peças subversivas podem ter servido para ‘expiar’ os questionamentos e queixas que sempre existiram junto a parte do público (eles não foram criados por conta da campanha).

Vivemos num momento em que a voz do consumidor, amplificada pelas ferramentas de comunicação da internet, é a dona da razão. E onde a transparência virou a regra do jogo. Nada pior do que tentar enganar ou subestimar a inteligência do público. Melhor aprender as regras do jogo e, como o pessoal da Chevy, se beneficiar dele.

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