quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

"Você é escravo do trânsito"*



*frase grafitada na avenida Faria Lima, quase esquina com a JK, sentido Vl Olímpia






Juro que foi sem querer, mas pareceu aposta, competição. Ontem combinei de me encontrar, no final da tarde, com minha esposa num supermercado próximo a nossos escritórios, na rua Clodomiro Amazonas, Itaim. Como era rodízio de nosso carro, que estava com ela, acertamos que eu iria a pé até o local.

Minha mulher saiu de seu escritório, na Juscelino Kubitschek sentido Marginal, quase na esquina com a Henrique Chamma, às 19h45. Foi de carro, pela rua Leopoldo Couto de Magalhães Junior, para fugir da fiscalização do rodízio (!!!!). Dei 15 minutos de vantagem (rs) e sai do meu escritório na rua Gomes de Carvalho, quase esquina com a Lourenço Marques, às 20h02. Fui andando. Exatamente 20h17 cheguei ao destino e liguei para Adriana. Tinha certeza de que ela já estava com o carrinho cheio de guloseimas natalinas. Ela não atendeu. Tentei de novo. Nada. Comecei a procurar o carro no estacionamento (queria guardar minha bolsa) e não achei. Sim. Ela ainda não estava lá. Dois minutos depois nosso carro (por uma questão de ecologia e economia fazemos questão de ter um só) apontou na entrada do Pão de Açúcar. Levei 15 minutos e ela mais de meia hora.

Na saída do meu escritório, desci no elevador com um colega de trabalho. Contei para onde ia e como. A reação do moço foi uma síntese de como pensamos: mas vais a pé? (ele é gaúcho). Bah! Espera alguém sair de carro e pegas uma carona. Ainda bem que optei por seguir caminhando.

A infeliz realidade de nossa cidade é que, em muitas situações, caminhar é mais rápido (e econômico, e saudável etc etc etc) que ir de carro. E enquanto todos ainda tivermos nossa mentalidade voltada ao automóvel como primeira (e única) opção para nos locomovermos, isto tende a piorar. E muito.

Minha opinião (e como não sou pesquisador ou antropólogo é apenas isto, uma opinião) é de que o pano de fundo deste fenômeno é cultural. O brasileiro super valoriza a hierarquia. Cargos, status, condição social importam sim. E muito. Desde a cadeia, onde quem tem diploma de ensino superior tem direito a tratamento diferenciado, até a mais simples de nossas relações, nossa posição determina o quanto de cidadania temos acesso. E o carro é mais um indicador claro de quem é quem. “Dotor” anda de carro, “mane”, a pé. Simples assim.

Só isso explica porque uma cidade onde, como levantou a Raquel Rolnik, 40% dos deslocamentos acontecem à pé (dados oficiais), os semáforos para pedestres de grandes avenidas são regulados para liberar o fluxo de veículos por diversos minutos e depois concede 20 segundos (sim, você leu certo, 20 segundos) para os transeuntes.

Acho que precisamos sair da nossa zona de conforto (falsa, pois ficar preso no trânsito esta cada vez menos confortável) e pensar em outras saídas. Uma grande amiga postou outro dia no Twitter que está impossível chamar um rádio táxi em São Paulo. Você fica 20 minutos esperando para a atendente falar com você e avisar que a unidade mais próxima levará meia hora para chegar. Preciso de um carro, disse ela. Você tem que levantar da cadeira e pegar um táxi na rua, disse eu. Numa época onde os confortos estão cada vez mais desconfortáveis, é hora de se mexer e pensar diferente.

3 comentários:

  1. Também não sou antropólogo, mas pra mim essa obsessão pelo carro remonta aos anos 50, com a vinda das montadoras e necessidade de construção de rodovias e início do desmantelamento da rede ferroviária. E também, em se tratando da capital paulista, ao crescimento rápido e descontrolado dos mesmos anos 50 e 60 e seu transporte público já deficiente, como mostram clássicas fotos de filas e filas nos pontos de ônibus outrora existentes no Vale do Anhangabaú. A população, independente de classe social, acha que ter um automóvel - antigamente chamado de carro de passeio - é um sinal de ascenção social. As montadoras aproveitam-se disso, e dá-lhe produção. Tornam-se determinantes do progresso econômico, ditando políticas públicas de transporte e infraestrutura. Nesse ponto, não sou nada otimista. Não creio que o "Expansão SP" vai resolver isso e nem a construção de corredores de ônibus - que a bem da verdade foi descartada pela atual administração kassabiana. Ambos são paleativos. Quem usa transporte público continuará a usá-lo até que possa comprar seu sonhado carrinho. E os que quem o seu, poucos deles vão aderir ao transporte público. No Brasil, o que é público, aliás, não é de ninguém. Mais uma razão pra ter algo que é só seu, como pensa a maioria, que é o automóvel. E pouco muda. Ou quase nada.
    Milton Rizzato.

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  2. Viva o transporte público. Vivo em Porto Alegre e aqui é excelente o serviço de onibus. Para mim carro é supérfluo. Supérfluo eu ter no caso, pois pego muita carona. Acredito no transporte voluntário. E é incrível ver comos as montadoras continuam a investir, aqui no RS a GM vai duplicar a planta de sua fábrica investindo 1 bilhão. Mas terá estradas para tantos carros? Em SP parece que já não tem.

    MATEUS

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  3. Há 1 ano vendi o meu carro e optei por andar de ônibus e a pé. Começou por uma questão ecológica, mas hj me vejo mais saudável, menos dependente e mais feliz tbm. A embreagem do carro me causou uma LER no joelho e o stress de todo dia era inevitável. Hj durmo de casa (osasco) até o trabalho (brooklin) e chego bem melhor humorada. Aconselho.

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